O caso de uma mãe de Guarujá do Sul, no Extremo-Oeste de Santa Catarina, reascendeu o debate sobre o homeschooling, também conhecido como educação domiciliar. Regiane Cichelero Werlang enfrenta uma disputa judicial por optar por esse modelo de ensino.
A Justiça determinou à mãe a rematrícula do menino sob pena de multa que pode chegar a R$ 100 mil. Ela também foi advertida que, caso não cumprida a rematrícula, haveria ordem de acolhimento em instituição acolhedora.
Já ela, alega que a escolha pelo homeschooling representou um divisor de águas no aprendizado do filho que, agora, pegou o gosto pelos estudos.
“Foi um salto surpreendente. Foram horas de estudo e remanejamento de estratégia até entender como ele conseguia aprender melhor e as dificuldades que ele tinha. Diversos conteúdos precisamos voltar e começar do zero para ter uma boa base e agora, finalmente, ele está alinhado com o 1º ano do Ensino Médio”.
Mas o que é o modelo de ensino homeschooling? O que é permitido por lei e o que ainda falta ser regulamentado? O que dizem defensores e opositores do modelo de ensino?
O que é homeschooling?
Em 2021 o MEC (Ministério da Educação) lançou a cartilha “Educação Domiciliar: um direito humano tanto dos pais quanto dos filhos”. O documento foi criado, conforme o MEC, para esclarecer o que é o homeschooling, além de apontar dados estatísticos e históricos, contextualizando o tema da regulamentação.
A cartilha de 20 páginas define a educação domiciliar como uma modalidade de ensino dirigida pelos próprios pais, com vistas ao pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para a vida, exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.O documento aponta casos reais de estudantes de outros países, do ensino fundamental ou médio, que estudam em regime de educação domiciliar. Além disso, a cartilha traz a informação de que cerca de 35 mil crianças e adolescentes do Brasil já estudam em regime de educação domiciliar, estimativa anterior à Covid-19.
A educação domiciliar é reconhecida em 85% dos países membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) como direito das famílias, direito esse que já é garantido legalmente em mais de 60 países ao redor do mundo. É o que também consta na Cartilha de Educação Domiciliar.
Como surgiu?
Segundo a ANED (Associação Nacional de Educação Domiciliar), a prática do ensino em casa é ancestral, com raízes em períodos nos quais as famílias assumiam integralmente a responsabilidade pela formação dos filhos.
Entre as décadas de 1960 e 1970, o professor de Harvard John Holt passou a questionar os métodos tradicionais de ensino e defendeu a ideia de “desescolarização”. Ele se tornou uma das principais vozes de um movimento internacional que lutava pela divulgação e legalização do ensino domiciliar.
Nas últimas décadas, o modelo ganhou visibilidade e passou a ser adotado em diversos países. De acordo com a ANED, o homeschooling está presente atualmente em mais de 60 nações.
Países onde o homescooling é adotado e regulamentado:
- Estados Unidos
- Canadá
- França
- Espanha
- Itália
- Suíça
- África do Sul
- Japão
- Austrália
Quais os benefícios e desafios?
Entre os principais benefícios do homeschooling, a ANED destaca a possibilidade de adaptar o ritmo de aprendizado às necessidades individuais de cada criança. Também aponta como vantagem a criação de um currículo personalizado, alinhado aos interesses e habilidades do aluno.
Além disso, o ensino domiciliar oferece a oportunidade de fortalecer os vínculos familiares, com mais tempo de convivência entre pais e filhos, e de criar um ambiente de aprendizado mais acolhedor. Outro destaque é a chance de aprofundar os estudos em áreas específicas por meio de projetos e atividades práticas.
No entanto, a prática também exige um alto nível de organização. Na visão da ANED, é fundamental que os responsáveis tenham disciplina para planejar as aulas, acompanhar o progresso dos estudantes e assegurar que todos os conteúdos essenciais sejam devidamente assimilados.
Além disso, críticos da modalidade de ensino citam a falta de socialização, ausência de dinâmicas e interações cotidianas na escola, falta de convívio com a diversidade e retrocesso em alguns casos.
O que diz a lei
A prática do homeschooling ainda precisa de regulamentação nacional clara, embora o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha decidido, em 2018, que ela só é possível mediante regulamentação legal — o que ainda não ocorreu.
O ministro Alexandre de Moraes, manteve, em outubro de 2023, o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que declarou inconstitucional a lei estadual que previa o homeschooling.
O TJSC considerou que o tema do homeschooling é de competência exclusiva da União e que a norma, de iniciativa parlamentar, também invadia a competência do Executivo municipal ao criar novas atribuições e despesas.
Ao negar seguimento ao recurso do governador Jorginho Mello, Moraes reforçou que o homeschooling só pode ser regulamentado por meio de lei federal, conforme já decidido pelo STF em repercussão geral.
Diante disso, o MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) afirma que tem o dever constitucional de zelar pela matrícula e frequência regular de crianças e adolescentes na rede de ensino, conforme assegura a legislação federal.
A educação é um direito fundamental garantido pela Constituição, e a matrícula escolar é obrigatória dos 4 aos 17 anos. O descumprimento dessa exigência por parte dos responsáveis pode configurar infração administrativa, passível de sanção, nos termos do artigo 249 do ECA.
O que diz quem defende e o que diz quem não defende?
Quem defende
A ANED defende que a educação domiciliar é um direito natural dos pais, que pode coexistir com o sistema tradicional, desde que garantida a aprendizagem da criança.”
Uma das defensoras do homeschooling é a deputada estadual do PL, Ana Campagnolo. A parlamentar defende frequentemente a pauta e já afirmou, em entrevistas e também em suas redes sociais, que acredita em uma educação livre de doutrinação marxista, com a possibilidade dos pais serem os protagonistas na escolha do gênero de educação e na qualidade que vai ser oferecida.
Além disso, também publicou um livro onde explana sobre o assunto intitulado “Ensino domiciliar na política e no direito”.
Quem é contra
A ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) publicou, em 2021, um manifesto contra a regulamentação da educação Domiciliar, assinado por mais de 300 entidades, incluindo universidades e sindicatos.
“A regulamentação da educação domiciliar (homeschooling) é fator de extremo risco para o direito à educação no país como uma das garantias fundamentais da pessoa humana.”
“[…] essa forma de ensino fere o direito de crianças e adolescentes à convivência social e ao acesso a conhecimentos científicos e humanísticos, mesmo que estes confrontem doutrinas religiosas e políticas defendidas por suas famílias”, aponta o manifesto.
Além disso, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), apoiada por mais de 50 sociedades científicas, publicou em maio de 2022 uma carta pública dirigida ao Congresso, recomendando rejeitar qualquer projeto que autorize o homeschooling.
“[…] O homeschooling justamente nega, às crianças e adolescentes, essa possibilidade de serem conduzidas para um mundo mais amplo e diverso que a família”, justificam.
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