Você já reparou que a quantidade de insetos mortos no para-brisa do carro durante uma viagem tem diminuído com o passar dos anos? Ou que vemos cada vez menos borboletas nos jardins, nas cidades ou mesmo no campo? Embora isso possa parecer apenas uma curiosidade, é, na verdade, um sinal preocupante de um fenômeno que a ciência já vem documentando com seriedade: o declínio global das populações de insetos.
De acordo com Ricardo Camargo, pesquisador da Embrapa Meio-Norte, mesmo com menos estudos sobre insetos em comparação a outros animais, já é possível afirmar que sua presença no meio ambiente mudou drasticamente nas últimas décadas. As causas são bem conhecidas: ações humanas, mudanças climáticas e, sobretudo, transformações no uso da terra.
A expansão das áreas agrícolas, a redução de florestas e a intensificação da ocupação humana estão entre os principais fatores. Destaca-se nesse cenário a mudança de paradigma agrícola iniciada com a chamada “Revolução Verde”, baseada no uso intensivo de agrotóxicos e no cultivo em larga escala de poucas espécies, os chamados monocultivos, como explica Ricardo Camargo.
Além de afetarem diretamente a saúde humana, os resíduos de agrotóxicos também geram danos profundos ao meio ambiente. A ciência já reconhece que a agricultura intensiva afeta negativamente os insetos, em especial os polinizadores, vitais para o equilíbrio dos ecossistemas.
Conforme o pesquisador, o uso de fertilizantes e pesticidas cresceu significativamente, tornando-se parte do pacote tecnológico da agricultura moderna. Em três séculos, entre 1700 e 2007, as terras aráveis e pastagens aumentaram cinco vezes, ocupando o espaço de florestas, pântanos e savanas. Como consequência, espécies que dependem de ambientes intocados, como muitos insetos, foram drasticamente reduzidas ou extintas.
A biodiversidade é um indicador-chave da saúde dos ecossistemas. Quando monitorada, fornece dados que podem nos alertar sobre o quanto nossas ações estão comprometendo o equilíbrio ambiental e a vida no planeta. Nesse contexto, assim como as abelhas, as borboletas têm se mostrado excelentes bioindicadoras — ou seja, organismos sensíveis a mudanças ambientais, mesmo as mais sutis. Diversos estudos apontam sua importância nesse monitoramento e seu papel fundamental no diagnóstico dos impactos ambientais e climáticos.
O pesquisador explica que as borboletas se dividem em dois grupos: as nectarívoras, que se alimentam do néctar das flores, e as frugívoras, que consomem frutas fermentadas, fezes, matéria orgânica e seiva. As frugívoras, em especial, se destacam como indicadoras biológicas por seu papel específico no ecossistema.
Estudos recentes reforçam a correlação direta entre a redução de populações de borboletas e fatores como mudanças climáticas, perda de habitat e uso de agrotóxicos. Com o aumento das temperaturas médias e a alteração dos padrões climáticos, os habitats e rotas migratórias desses insetos estão sendo profundamente afetados.
O desaparecimento de qualquer espécie é sempre um alerta, afirma Ricardo Camargo. Quando esse desaparecimento atinge grupos como os polinizadores, que prestam serviços essenciais ao funcionamento do planeta, o alerta se torna ainda mais grave. Infelizmente, esse tema ainda é pouco debatido e compreendido pela sociedade.
“Infelizmente, continuamos a viver como se nossos hábitos não tivessem impacto sobre a natureza, ignorando os sinais que os ecossistemas nos dão", comenta Ricardo. "Em nossa confiança cega no avanço tecnológico, temos a falsa impressão que todos os impactos que temos causado no planeta, serão resolvidos com alguma tecnologia inovadora e assim, não percebemos que o que realmente possa mudar essa trajetória não seja apenas inovação, mas sim empatia, respeito e responsabilidade com os outros seres que compartilham esta casa comum conosco — o planeta Terra”, ressalta o pesquisador da Embrapa.
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